De acordo com o precedente da Terceira Seção, submetido ao rito dos recursos repetitivos: "Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos. O consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime" (REsp 1.480.881/PI, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 26/8/2015, DJe 10/9/2015).
Contudo, a presente hipótese enseja distinguishing quanto ao acórdão paradigma da nova orientação jurisprudencial, diante das peculiaridades circunstanciais do caso.
Na questão tratada no acórdão proferido, sob a sistemática dos recursos repetitivos, a vítima era criança, com 8 anos de idade, enquanto que o imputado possuía idade superior a 21 anos.
No presente caso, o imputado possuía, ao tempo do fato, 19 anos de idade e a vítima, adolescente, contava com apenas 12 anos de idade.
A necessidade de realização da distinção feita no REsp Repetitivo 1.480.881/PI se deve em razão de que, no presente caso, a diferença de idade entre o acusado e a vítima não se mostrou tão distante quanto do acórdão paradigma, bem como porque houve o nascimento do filho do casal, devidamente registrado, fato social superveniente e relevante que deve ser considerado no contexto do crime.
Pela teoria quadripartida, o crime consistiria em fato típico, ilícito, culpável e punível concretamente, sendo este último definido pela possibilidade jurídica de aplicação de pena, por melhor categorizar o comportamento humano.
Nessa concepção de conceito integral de delito, a tipicidade e a antijuridicidade possuem classificação formal e absoluta sobre o fato praticado. Destaca-se que a culpabilidade e a punibilidade concreta têm conteúdo relativo ou dimensionável a permitir a valoração do comportamento do agente.
Na culpabilidade, avalia-se a reprovabilidade da conduta, tendo como consequência a responsabilidade subjetiva do sujeito, enquanto na punibilidade concreta valora-se o significado social sobre o fato, sob o enfoque da gravidade da lesão ao bem jurídico, de acordo com as características do ilícito penal, a fim de ensejar, ou não, a punição do sujeito.
A teoria quadripartida foi adotada pela Sexta Turma, em que, analisando a questão relacionada ao aspecto material, o Ministro Rogério Schietti, no voto proferido no RHC 126.272/MG, defendeu a existência de um quarto elemento, qual seja, punibilidade concreta, sob os seguintes fundamentos extraídos da decisão: "o significado da forma e da extensão da afetação do bem jurídico define a relevância social do fato e configura sua dignidade penal. Esse aspecto, por sua vez, fundamenta a punibilidade concreta, que complementa o conceito tripartido (formal) de delito, atribuindo-lhe um conteúdo material e, logo, um sentido social".
Aplicando o aludido posicionamento na presente hipótese, extrai-se da decisão que rejeitou a denúncia que a vítima e o denunciado moraram juntos, diante da concordância dos pais com o relacionamento amoroso, tendo resultado no nascimento de um filho, o qual foi registrado pelo genitor.
Não se evidencia relevância social do fato a ponto de resultar a necessidade de sancionar o acusado, tendo em vista que o juízo de origem não identificou comportamento do denunciado que pudesse colocar em risco a sociedade, ou o bem jurídico protegido.
As particularidades do presente feito, em especial, a vontade da vítima e o nascimento do filho do casal, somados às condições pessoais do acusado, denotam que não houve afetação relevante do bem jurídico a resultar na atuação punitiva estatal, de modo que não se evidencia a necessidade de pena, consoante os princípios da fragmentariedade, subsidiariedade e proporcionalidade.
Não se registra proveito social com a condenação do recorrente, pois o fato delituoso não se mostra de efetiva lesão ao bem jurídico tutelado. Diversamente, e ao contrário, o encarceramento se mostra mais lesivo aos valores protegidos, em especial, à família e à proteção integral da criança, do que a resposta estatal para a conduta praticada, o que não pode ocasionar punição na esfera penal.
O filho do casal também é merecedor de proteção, de modo que, de acordo com o princípio VI da Declaração Universal dos Direitos da Criança, "a criança necessita de amor e compreensão, para o desenvolvimento pleno e harmonioso de sua personalidade; sempre que possível, deverá crescer com o amparo e sob a responsabilidade de seus pais, mas, em qualquer caso, em um ambiente de afeto e segurança moral e material; salvo circunstâncias excepcionais, não se deverá separar a criança de tenra idade de sua mãe".
Consoante a jurisprudência desta Corte, "a proteção integral da criança e do adolescente, defendida pela Organização das Nações Unidas (ONU) com base na Declaração Universal dos Direitos da Criança e erigida pela Constituição da República como instrumento de afirmação da dignidade da pessoa humana (art. 227), exerce crucial influência sobre o intérprete da norma jurídica infraconstitucional, porquanto o impele a compreendê-la e a aplicá-la em conformidade com a prevalência dos interesses do menor em determinada situação concreta" (REsp 1.911.030/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 1º/6/2021, DJe 31/8/2021).
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